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Projeto discute uso do FGTS em dívidas

Câmara analisa proposta para que trabalhador possa resgatar até 40% do saldo do fundo para pagar débitos

Fonte: Folha de S.PauloTags: fgts

 

Com dívida de R$ 6.000, Henrique Amaral Silva, 29, operador de telemarketing, está com o nome no cadastro de inadimplentes da Serasa desde 2002.
Nessa época, o valor do débito -que inclui o financiamento do carro e boletos de crediário- era maior: cerca de R$ 9.000. De lá para cá, Silva reduziu o total devido em um terço. Mas, com o salário de R$ 700 por mês, não consegue avançar mais.
"Já tentei negociar parte das dívidas, mas o valor das parcelas fica muito alto", diz.
Silva acredita que a liberação do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para o pagamento de dívidas, se aprovada, vai ajudar a reverter a situação.
"Tenho cerca de R$ 15 mil no fundo. Seria ótimo poder usar esse dinheiro, que é meu, para pagar as dívidas. Com o nome sujo, não consigo fazer quase nada. Quero entrar em um financiamento para comprar minha casa e não posso", diz.
Está em análise, na Câmara dos Deputados, uma proposta que permite o uso do FGTS para quitação ou amortização de dívidas.
O projeto de lei, apresentado no final do ano passado pelo deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), propõe que os trabalhadores com pelo menos 30% da renda bruta comprometida com o pagamento de empréstimos possam resgatar até 40% do saldo FGTS.
Para isso, os devedores têm que estar com o nome em cadastro negativo de crédito há pelo menos seis meses.
E, para evitar desvios de finalidade, o projeto prevê que os recursos, depois de liberados, sejam transferidos diretamente aos credores.

LEI ATUAL
Pela legislação atual, o FGTS pode ser utilizado na compra da moradia, em caso de doença grave ou de desastres naturais.
Além disso, pode ser sacado se o contribuinte for demitido sem justa causa ou se aposentar.
Paulo Bornhausen argumenta que o fundo é "patrimônio do trabalhador".
"A remuneração do FGTS tem estado abaixo da inflação, configurando-se em fonte extremamente barata de recursos para que o governo execute seus programas, enquanto as dívidas de muitos dos titulares do fundo não raro ultrapassam a inflação em mais de 150% ao ano", diz.

SEGURANÇA
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é contra o projeto.
O argumento da instituição é que o FGTS é um "fundo de garantia do trabalhador" e que não deveria ser usado para o pagamento de dívidas "no valor imposto pelo banco, com altos juros".
Já a CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) vê a proposta "com bons olhos", mas também destaca a necessidade de intervenção do governo para evitar "juros abusivos".
"É preciso haver uma regulamentação para exigir do credor que retire os juros para que o consumidor pague apenas o valor principal da dívida. Isso já seria positivo, pois faria com que o credor recebesse de volta um dinheiro parado e reabilitasse o cliente para novas compras", diz Roque Pellizzaro Junior, presidente da CNDL.
O texto do projeto ainda pode ser totalmente modificado, pois precisa passar pelas comissões de Trabalho, Finanças e de Constituição e Justiça, antes de seguir para o Senado.
O Ministério do Trabalho diz que não dá opinião sobre o mérito de projetos em andamento no Congresso.

 

ANÁLISE 

Há mais "prós" que "contras" no uso do FGTS para quitar dívida 

MARIO AVELINO


O projeto de lei 7.866/10, do deputado Federal Paulo Bornhausen, apresentado em novembro do ano passado, propõe condições para que o trabalhador use até 40% do saldo do FGTS para quitar ou amortizar dívidas.
Ele tem de ter seu nome em Cadastro Negativo de Crédito (Serasa, SPC etc.) há pelo seis meses, com débito com parcelas iguais ou maiores que 30% do salário bruto e pagamento de empréstimos e financiamentos contratados.
O deputado justifica o projeto principalmente na baixa remuneração do FGTS, que tem perdido para a inflação.
Em 2010, o fundo rendeu apenas 3,62% (TR + 3% de juros anuais), ante inflação de 5,62%, e nos últimos oito anos deixou de creditar R$ 72 bilhões em atualização monetária nas contas dos trabalhadores em razão da diferença de TR para o IPCA (equivalente a 37,30%). Em contrapartida, a dívida do trabalhador no Cadastro Negativo cresce a uma taxa anual que varia de 150% a 300% ao ano, como é o caso dos cartões de crédito.

VANTAGENS
O projeto traz vantagens para o trabalhador. A primeira delas é poder limpar seu nome no cadastro negativo e ter dignidade, honra e cidadania resgatadas. Depois, o fato de poder negociar com o devedor uma diminuição da dívida em função até de quitação total. Terceira vantagem: em vez de deixar o dinheiro se desvalorizando no FGTS, o trabalhador evita que sua dívida cresça em uma proporção até 30 vezes mais ao ano ante o rendimento do seu FGTS.
A desvantagem seria se ele precisar usar o FGTS para uma necessidade de maior prioridade, como um tratamento de doença.
Para o Fundo de Garantia, a primeira vantagem é o aumento na arrecadação -a quitação do débito movimenta a economia, gerando mais emprego e melhor salário. Ou seja, haverá saques, que serão compensados por uma maior arrecadação de todos os impostos.
Depois, o FGTS estará cumprindo mais uma função social, que é resgatar a cidadania daquele trabalhador.
A desvantagem é aparente. Estimo que, no primeiro ano, poderá ser sacado nessa modalidade um montante de R$ 500 milhões e, nos anos seguintes, uma média de R$ 150 milhões ao ano, o que representa 0,10% do saldo total dos trabalhadores, estimado em R$ 210 bilhões.
A priori, esse é um projeto de lei justo e bom para o trabalhador, que é o dono do dinheiro, e para a sociedade.
Mas, para evitar fraudes e abusos, tem de ser melhorado nos seguintes pontos: 1) definir que o trabalhador só poderá usar uma única vez essa opção;
2) estipular que ele poderá sacar 40% de todas as contas existentes em seu nome, ativas ou inativas, e contas de expurgos dos planos econômicos Verão e Collor 1; e 3) determinar que o trabalhador tenha de ter no mínimo três anos de conta no FGTS, como é usado hoje na compra de casa própria.
Para se tornar lei e passar a valer, o projeto terá de ser aprovado na Câmara dos Deputados, no Senado e, finalmente, sancionado pela presidente Dilma Rousseff.