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A penhora on-line na execução fiscal

A penhora de ativos financeiros é sempre traumática para qualquer pessoa

A relação obrigacional tributária atinge o seu ápice de conflituosidade no momento em que o Estado volta-se contra o particular com o objetivo de satisfazer o crédito tributário espelhado na certidão de dívida ativa por meio da execução forçada de seus bens. É nesse cenário que surge a execução fiscal como instrumento processual apto à consecução dos atos expropriatórios do patrimônio do devedor.

O artigo 185-A do Código Tributário Nacional (CTN), acrescentado pela Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, introduziu a chamada penhora eletrônica nas execuções fiscais, mais popularmente conhecida como penhora on-line, pela qual o juiz passa a ter o poder de decretar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, incluindo depósitos e aplicações financeiras, caso o executado, devidamente citado, não pague nem apresente bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis em seu nome.

O Código de Processo Civil (CPC), aplicado subsidiariamente ao processo de execução fiscal por força do artigo 1º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execuções Fiscais), trata do assunto de maneira diversa. Segundo dispõem os artigos 655 e 655-A do diploma processual civil, com a redação dada pela Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, o depósito ou aplicação financeira, ao lado do dinheiro em espécie, ocupam o primeiro lugar na ordem de preferência dos bens e direitos passíveis de penhora, sendo possível ao juiz, a requerimento do credor, determinar a indisponibilidade dos recursos financeiros em nome do executado, até o limite suficiente para a garantia da execução.

    A penhora de ativos financeiros é sempre traumática para qualquer pessoa

Com a entrada em vigor da Lei nº 11.382, de 2006, levantou-se a seguinte questão: seriam os artigos 655 e 655-A do CPC aplicáveis ao processo de execução fiscal ou não, tendo em vista a regulamentação específica da LEF e do CTN? A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou o Parecer PGFN/CRJ nº 1.732, de 2007, sustentando, dentre outras coisas, a aplicação de referidas normas ao processo de execução fiscal para "abreviar a satisfação do direito da Fazenda Pública", mesmo reconhecendo que "as ideias (...) defendidas são meramente propositivas à postulação em juízo, sendo plenamente passíveis de serem contrariadas pela consolidação jurisprudencial".

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou o entendimento de que os artigos 655 e 655-A do CPC são aplicáveis ao processo de execução fiscal a partir da vigência da Lei nº 11.382, de 2006, tornando-se prescindível o esgotamento de diligências para a localização de bens passíveis de penhora. Concluiu ainda que "a penhora on-line de ativos financeiros não caracteriza ofensa qualquer ao princípio da menor onerosidade, consubstanciado no artigo 620 do Código de Processo Civil, uma vez que a execução se processa no interesse do credor" (EREsp nº 1.052.081/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 26/05/2010). Mais recentemente, o mesmo tribunal reiterou esse entendimento em julgamento que seguiu o rito dos recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do CPC (REsp nº 1.112.943/MA, Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2010).

A jurisprudência atual do STJ acaba dando margem para que a Fazenda Pública passe a rejeitar qualquer nomeação à penhora de bens diversos de dinheiro em espécie, requerendo a penhora on-line de recursos financeiros em nome do executado, sob o simples argumento de que o dinheiro ocupa o primeiro lugar na lista de bens penhoráveis.

A matéria comporta, em nosso sentir, maiores reflexões. Inicialmente, cremos que o conflito de normas entre as disposições do CPC, de um lado, e da LEF e do CTN, de outro, deve ser resolvido pelo critério da especialidade, prevalecendo este sobre o critério cronológico - lex posterior generallis non derrogat priori specialli -, especialmente se levarmos em consideração o caráter subsidiário das disposições do CPC ao processo de execução fiscal que a própria LEF fez questão de afirmar.

Além disso, é descabida - e perigosa - a equiparação do processo de execução de obrigações civis, firmadas entre particulares, com obrigações de natureza tributária. É importante observar que o Estado tem ao seu alcance as funções de criar, executar e julgar o vínculo obrigacional tributário, sendo certo que o título executivo que ampara a execução fiscal é formado sem qualquer participação do contribuinte ou responsável, ao passo que, nas relações de cunho civil, os particulares participam ativamente da formação do título executivo obrigacional. Essa pluripotencialidade do Estado - a um só tempo legislador, Fisco e juiz - não pode ser desprezada no trato do tema, devendo ser considerada na interpretação e aplicação das normas processuais tributárias.

Ademais, a afirmação de que a execução fiscal é feita no interesse do exequente, e não do executado, deve ser lida com ressalvas. É verdade que o objetivo maior da execução fiscal é a satisfação do crédito público. No entanto, a busca pela satisfação do crédito tributário não pode atropelar os direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal, notadamente o direito à propriedade, cuja constrição só é admitida sob o pálio do devido processo legal.

O princípio da menor onerosidade do devedor (artigo 620 do CPC) deve nortear a relativização da ordem de preferência dos bens penhoráveis na execução fiscal, sendo direito do executado garantir o juízo com bens livres e desembaraçados do seu patrimônio que, ao mesmo tempo, possam garantir eventual satisfação do crédito tributário sem prejudicar o desenvolvimento regular de suas atividades (TRF da 4ª Região, AI nº 2009.04.00.010694-2).

Isso porque a penhora dos ativos financeiros é sempre traumática para qualquer pessoa, seja ela natural ou jurídica. No caso das pessoas jurídicas, quando a constrição não acaba paralisando completamente as operações da sociedade - o que não é raro acontecer -, prejudica o emprego dos recursos nas atividades empresariais, obstando, em última análise, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, pilares da ordem constitucional econômica.

Por essa razão, quer nos parecer que a penhora de dinheiro, via on-line, só deve ser admitida quando o devedor, devidamente citado, não pague nem apresente bens penhoráveis no prazo legal, nos termos do artigo 185-A do CTN. Caso o executado apresente espontaneamente bens ou direitos penhoráveis de liquidez incontestável, ainda que diferentes de dinheiro em espécie, não há que se cogitar a possibilidade da medida constritiva, sob pena de violação ao direito de propriedade e ao princípio da menor onerosidade da execução.

Ricardo Martins Rodrigues é advogado, sócio de Cascione, Pulino, Boulos & Santos Advogados e especialista em direito constitucional tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.