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Justa causa: e-mail corporativo e gravações são considerados provas válidas
Fonte: TST
O Tribunal Superior do Trabalho, em processo julgado pela Primeira Turma, rejeitou agravo de instrumento de um ex-alto funcionário do Sheraton Rio Hotel & Towers, do Rio de Janeiro contra decisão que considerou válidas provas retiradas do conteúdo de um CD-ROM (gravações de diálogos) e e-mail corporativo, em processo envolvendo justa causa por acusação de assédio sexual. Embora o assédio não tenha sido caracterizado, as provas foram aceitas para confirmar a má conduta capaz de justificar a demissão.
O caso começou quando a empresa demitiu seu gerente de manutenção sob acusação de assédio sexual, mau procedimento profissional e incontinência de conduta no serviço. Sentindo-se injustiçado e ultrajado, ele entrou com ação trabalhista pretendendo anular a justa causa e obter o conseqüente pagamento de verbas indenizatórias, dentre as quais aviso prévio com base no maior salário recebido (60 mil reais), férias, décimo-terceiro salário, FGTS, horas extras, além do custeio de sua mudança, juntamente com a família, para o Peru, seu país de origem. Requereu, também, indenização por danos morais, alegando que a empresa o humilhou publicamente no ato de demissão, referindo-se ao fato de que foi obrigado a deixar o hotel imediatamente, levado por seguranças até sua sala e, de lá, até o ponto de táxi, na frente de muitos de seus ex-colegas e subordinados.
Para defender-se, o hotel apresentou, como provas, transcrições de mensagens e reproduções de imagens (fotos e ilustrações) do e-mail corporativo utilizado pelo gerente, de conteúdo pornográfico. Também anexou declaração assinada pela suposta vítima e gravações feitas por ela de conversas com o engenheiro e com outra funcionária, secretária dele, que teria atuado como intermediária do assédio sexual. Na transcrição dos diálogos, gravados em apartamentos do hotel, ele a convida para dançar, tenta convencê-la a fazer “fotos sensuais”, diz para ela “fechar as cortinas” para ficarem a sós, afirma que tem vontade de “apertá-la”, faz menção a fantasias sexuais, insinua que eles devem fazer “inspeção nos quartos”, testar o banheiro, as camas, os lençóis e o carpete. Em vários trechos, ela rejeita as investidas. Nos diálogos com a secretária, há revelações de que o engenheiro pagaria uma espécie de “mesada”, no valor de R$ 3 mil, para as funcionárias que concordassem em ser amantes dele e permanecessem em silêncio.
Todas as provas foram contestadas pelo autor da ação. Em relação ao conteúdo do correio eletrônico, alegou invasão de privacidade e intimidade, e destacou que as mensagens reproduzidas no processo, com conteúdo erótico, não foram enviadas, apenas recebidas por ele. Em relação às outras provas, defendeu-se afirmando que a suposta vítima se insinuava, criando uma situação para, “maldosa e maliciosamente”, gravar as conversas. Além disso, seriam provas ilícitas, na medida em que as gravações foram feitas de maneira clandestina.
A empresa retrucou, afirmando que a autenticidade das provas não sofreu qualquer impugnação válida. Solicitou a reconvenção do processo (defesa em que a parte busca inverter sua condição de réu e ser reconhecida como virtual credora – e não devedora – dos direitos em questão). Tendo atendido seu requerimento neste sentido pelo juiz da 51ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a empresa contra-atacou, requerendo indenização por danos morais causados à sua imagem.
Ao julgar o mérito da questão, a juíza de primeiro grau decidiu a favor do ex-empregado. Entendeu não estar configurado o assédio sexual e, por essa razão, considerou nula a demissão por justa causa. Determinou o pagamento parcial das verbas rescisórias e estabeleceu indenização por danos morais, em favor do gerente, no valor de 40 vezes sua remuneração (R$ 1,2 milhão). Entre outros fundamentos, a sentença considerou não haver elementos que pudessem enquadrar o caso no conceito jurídico de assédio sexual, ou seja, “constranger com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função”. A juíza também considerou irrelevantes as alegações de que as gravações foram feitas sem autorização e conhecimento do gerente, por se tratarem de provas produzidas pela testemunha (suposta vítima de assédio), que beneficiam o autor da ação.
Ao avaliar o conteúdo das gravações, a magistrada reconheceu que havia conversas levadas para o lado íntimo, “mas sem ofensas, constrangimentos ou ameaças, podendo significar, quando muito, uma cantada indireta dirigida àquela bela mulher”. Acrescentou que a funcionária instigava o engenheiro que, “como bom latino, de sangue ‘caliente’”, haveria de interpretar suas frases como uma abertura para cantadas. Da mesma forma, considerou que os e-mails recebidos não indicavam qualquer comportamento que o incriminasse.
As duas partes contestaram: a empresa, visando anular a sentença, revalidar a dispensa por justa causa e, conseqüentemente, livrar-se da condenação; e o ex-empregado buscando a elevação do valor da indenização por danos morais, de R$ 1,2 milhão para R$ 1,5 milhão. O TRT reformou a sentença em favor da empresa, convalidando a dispensa por justa e a exclusão do pagamento de indenização por danos morais. Entre os fundamentos utilizados, a decisão considerou que, embora não estivesse configurado o assédio sexual, restou plenamente caracterizada a má conduta do gerente, “que agiu de forma grosseira, inconveniente e incompatível com sua condição de gestor”.
O autor da ação tentou interpor recurso de revista ao TST, cujo seguimento foi negado pelo TRT. Em agravo de instrumento, defendeu a tese de cerceamento de sua defesa, pois não houve pronunciamento sobre a alegada ilicitude na obtenção de provas a partir do conteúdo de seus e-mails e das gravações feitas sem seu conhecimento ou autorização.
O relator da matéria, ministro Vieira de Mello Filho, refutou ambas as argumentações. Em relação à primeira, destacou que o entendimento consolidado no TST é no sentido de que o e-mail corporativo é considerado, juridicamente, ferramenta de trabalho fornecida pelo empregador ao empregado, que, por essa razão, deve usá-lo de maneira adequada, visando à eficiência no desempenho dos serviços.
Quanto ao segundo ponto, Vieira de Mello disse que a empregada gravou as conversas e entregou seu conteúdo à diretoria da empresa, a fim de comprovar o assédio sexual que afirmou sofrer. “Assim, tendo em vista que a empregada se valeu de tal conduta para repelir comportamento ilícito do reclamante, entregando as referidas gravações a quem detinha o poder de impedir a reiteração de tal prática, fica caracterizado o exercício regular de direito, o que afasta a ilicitude aventada pelo reclamante”, concluiu o ministro, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal e do TST.