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Proibida a venda casada com cartões
Governo acaba com venda casada
Cristiano Romero
A venda casada nas operações de credenciamento de lojistas por parte das empresas operadoras de cartões de crédito, uma prática muito comum, vai acabar. Essa, segundo um integrante da equipe econômica, é uma das principais consequências das cinco medidas anunciadas ontem pelo Banco Central, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae).
As cinco iniciativas entrarão em vigor por resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e de um Termo de Autorregulação a ser firmado pelas empresas. Além disso, o governo discutirá no Congresso mudanças na legislação. "As cinco mudanças que anunciamos são profundas em relação ao estágio atual da estrutura da indústria de cartões. Não se limitarão a isso, mas já são profundas", sustentou uma fonte.
Para antecipar receitas de vendas feitas com cartão de crédito, os comerciantes costumam vender seus recebíveis aos bancos ou às credenciadoras com desconto. Em alguns casos, para capturar os lojistas, os bancos e as credenciadoras de cartões negociam percentuais mais favoráveis de descontos dos recebíveis, mas obrigam as lojas a manter domicílio bancário em determinada instituição. Esse é só um exemplo de venda casada.
"Não queremos mais ter venda casada", disse ao Valor um participante do grupo que elaborou as medidas destinadas a acabar com a concentração excessiva do mercado de cartões de crédito no Brasil, controlado hoje por duas empresas - Redecard, responsável por credenciar lojas que aceitam plásticos da Mastercard, e Visanet (Visa). Segundo essa fonte, venda casada é diferente de reciprocidade e será observada de perto pelo governo a partir de agora. "Na reciprocidade, o banco oferece descontos aos lojistas que têm um longo relacionamento com a instituição. A partir de agora, não poderá mais obrigá-los a negociar recebíveis com aquele banco."
As cinco medidas anunciadas ontem foram antecipadas pelo Valor na edição de terça-feira. Ao exigir "transparência na definição da tarifa de intercâmbio", o governo quer que as empresas definam, "de forma clara", os parâmetros e metodologias utilizados no cálculo de tarifas. Isto valerá tanto para a relação entre credenciadores e lojistas quanto entre bandeiras e credenciadores. As autoridades não quer tabelar ou congelar tarifas.
Os números e práticas do setor, explicou uma fonte, terão que ser explicitados ao órgão regulador. Atualmente, o setor de cartões de crédito está numa área cinzenta da regulação - pelas leis vigentes, não é regulado por nenhum órgão público. O governo pretende, no entanto, discutir o tema com o Congresso Nacional, aproveitando projetos de lei em tramitação. A tendência é estabelecer o Banco Central, o guardião dos sistemas de pagamentos segundo a Lei 4.595, como o regulador do setor.
O principal objetivo das medidas anunciadas ontem é promover a competição no mercado de cartões de crédito. De acordo com um dos formuladores das medidas, a expectativa do governo é que o mercado de credenciamento, hoje controlado por Visanet e Redecard, "vá explodir". Com o fim da exclusividade das duas operadoras, o governo acredita que todos os bancos terão interesse em credenciar diretamente os lojistas
Quem faz o credenciamento detém as informações do fluxo financeiro dos lojistas, algo valioso porque permite a geração de negócios, como a concessão de crédito. "Vai se criar um mercado para os bancos, que terão outros produtos para oferecer aos lojistas", disse um economista do governo.
Atualmente, a bandeira Mastercard já pode ser credenciada por outras empresas além da Redecard. No caso da Visanet, o compromisso é fazer isso a partir de 30 de junho do próximo ano Segundo uma fonte oficial, o banco Santander é o que está mais adiantado para iniciar o credenciamento da bandeira Mastercard.
O governo quer acabar também com o domínio de bandeiras estrangeiras - Maestro, da Mastercard, e Visa Electron - no segmento de cartões de débito. A ideia é obter dos bancos brasileiros o compromisso de operarem com bandeiras nacionais. Um possível ator nesse mercado, mencionado por mais de uma fonte oficial, é a TecBan, empresa nacional criada em 1982 e que opera os caixas eletrônicos da rede Banco 24 Horas.
A TecBan, que possui 6,7 mil terminais de ATM em mais de 400 cidades e opera com 24 instituições financeiras, sofreu um esvaziamento nos últimos anos, mas, na avaliação do governo, poderá se fortalecer e crescer em decorrência da abertura no mercado de cartões. O governo quer reduzir os custos de transação com cartões de débito, mas não cogita criar uma empresa estatal nessa área, mas apenas comprometer os bancos a fortalecerem a bandeira nacional.
"Não faz muito sentido pagar uma tarifa para a Visa e para a Mastercard de uma operação totalmente nacional, que não envolve crédito nem mesmo um "expertise" tecnológico. Do jeito que está hoje, adiciona-se um custo transacional desnecessário para a sociedade", explicou um dos formuladores das medidas divulgadas ontem.
O governo vem estudando o setor de cartões há dois anos. No fim de março, divulgou estudo detalhado do mercado e chegou à conclusão de que a concentração existente no Brasil é "única" - o credenciamento, o processamento e a compensação das operações foram capturados por apenas duas empresas. "A indústria é eficiente, mas a eficácia é questionável", comentou um assessor.